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Elza Soares: Brasil é incapaz de pensar em outra voz mais imponente para cantar a dor do povo brasileiro

“Até o fim eu vou cantar”. E cantou. Na voz firme, brasileira, com sotaque da fome, num timbre que colocou o português brasileiro nas rádios do mundo. Como cantou em ‘A Mulher do Fim do Mundo’, o coração de Elza Gomes da Conceição, a eterna Elza Soares, parou de bater às 15h45 de ontem em sua casa, no Rio de Janeiro.

Ela morreu na cidade de onde arrancou dos subúrbios o horror e a beleza dos 91 anos de uma vida tantas vezes cantarolada para um público atento e emocionado. Elza morreu no mesmo dia em que completava 39 anos da morte do jogador Garrincha, com quem Elza foi casada por 17 anos. Ele morreu no dia 20 de janeiro de 1983. A relação, marcada por violência contra a cantora, deixou resquícios de um amor.

Nos palcos, Elza Soares, com aquela voz rouca, narrou o sotaque da fome, da solidão e da tristeza. Com o corpo, ultrapassou fronteiras reservadas a homens brancos. Se tornou referência e, inigualavelmente, denunciou, enquanto pode, o caos cotidiano de um Brasil machista, racista e homofóbico. E, sobretudo, com enorme fobia aos pobres. Da Bossa Nova ao Rap contemporâneo, Elza, destemida, dizia tudo. Sem Elza, o Brasil não tem mais a maior representante dos silenciados pelos extermínios de pretos, favelados e esfomeados. Ela era o grito, literalmente o grito, dos assassinados pelo Estado. Ciente da crônica da violência da forma mais explícita, ela queria era cantar.

Interpretou – a vida de Elza foi interpretar – “Paciência”, a canção de Lenine, como se contasse a própria história da menina sobrevivente da favela de Moça Bonita, atualmente conhecida como Vila Vintém, na zona oeste do Rio de Janeiro. Na voz intercalada pelo silêncio ruidoso, Elza destrinchou as dores da menina transformada em mulher precocemente ao ser obrigada a se casar aos 12 anos com Alaúrdes Soares, um homem dez anos mais velho. Um ano depois, Elza teve o primeiro filho. Com este homem, sofreu o cotidiano da violência: do estupro à miséria. Teve cinco filhos. Um deles morreu de fome.

Elza foi uma interrogação para os ouvintes devotos. Como escapar da reflexão causada pela canção Comida (Arnaldo Antunes/Marcelo Fromer/Sérgio Britto), do Titãs: “Você tem fome de que/Você tem sede de que?”. Na própria biografia, Elza respondia com a experiência de mulher negra e favelada. E era assim que ela era interpretada. Aliás, não apenas se interpretou, mas era. Existia no meio dos escombros de uma sociedade que não entendia como aquela mulher baixa, preta, com voz diferente demais, conseguia atrair o público e a crítica. A morte de Elza, uma mulher difícil demais de ser descrita, é o fim do ciclo de quase um século de voz inesquecível.

 

O HOJE

Sobre o Autor

Rosenwal Ferreira

Rosenwal Ferreira é jornalista, publicitário e terapeuta transpessoal. Multimídia talentoso, ele atua na TV Record realizando comentários no quadro 'Olho no Olho', no Balanço Geral. Mantém, há mais de 18 anos, o programa 'Opinião em Debate' que agora está na PUC TV. No meio impresso, é articulista no Diário da Manhã, e no Jornal OHoje.
Radialista de carteirinha, comanda o tradicional programa jornalístico 'Opinião em Debate', que já ocupou o horário nobre em diversas emissoras, e hoje, está na nacionalmente conhecida Rede Bandeirantes 820AM, de segunda a sexta-feira, das 07h30 às 08h30 da manhã. Logo após é membro da bancada mais ativista da felicidade, das 8h30 até às 10h da manhã, na Jovem Pan Goiânia 106,7FM.

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