Nesses tempos bicudos em que você dorme, acorda, toma café da manhã e engole as refeições, tendo como pano de fundo uma rede de corrupções que parecem intermináveis, a impressão é que o Brasil não tem jeito mesmo. A turma do andar de cima, uma casta que faz o sórdido jogo umbilical que lhes interessa, se delicia vendo que os brasileiros se dividem no besteirol coxinhas x mortadelas, deixando de analisar o essencial.
No jogo de inúmeros problemas que afetam o País, persiste uma visão tosca dos poderosos, acreditando que possuem o sagrado direito de pairar acima do cidadão comum. Na prática, a turma reina, fingindo que o modelo é democrático. São tantas as benesses, sinecuras e prerrogativas especiais, que isso fica impregnado na alma nacional.
O recente caso, amplamente divulgado nas redes sociais, do ex-ministro Aloizio Mercadante se ajeitando para furar a fila no Aeroporto Internacional de Lisboa, não é um fato isolado. Tornou-se emblemático porque a turma chiou e ele teve que recuar. Todos os dias, nobres encastelados no poder se erguem majestosos, se livrando das agruras do homem comum e, pior ainda, à custa do dinheiro do contribuinte.
Difícil acreditar que em pleno século 21, num quadrilátero que se apresenta como uma democracia, ainda existam aberrações como o fórum privilegiado no julgamento de crimes que lesam o cidadão, para excelências que ocupam cargos de relevância.
Inimaginável constatar, num País com a mais alta carga tributária do planeta, de longe a mais injusta e mal aplicada, que alguns privilegiados possam ter férias acima da média nacional, direito a veículos de luxo com motoristas e gasolina, auxílio moradia, aposentadoria especial, passagens aéreas e outros penduricalhos, que formam um assombro de regalias dignas dos feudos medievais.
Algo totalmente desnecessário. Trata-se de uma questão de estilo, de um refinamento que não conseguimos alcançar. O presidente do Uruguai, o digno José Mujica, abdicou de toda a pompa e realizou um governo ético, responsável e progressista. Aqui, mostrando a falta de classe que nos afeta, o líder operário Luiz Inácio Lula da Silva deslumbrou-se no poder se lambuzando em mimos inacreditáveis. A ex-guerrilheira Dilma Rousseff chegou ao cúmulo de manter 28 motoristas a seu dispor, levar um entourage de 100 pessoas a Paris, curtindo hotéis cinco estrelas, perpetuando regabofes de causar tristeza.
O empertigado Michel Temer, que assume dando ares de quem entende a penúria econômica que afeta o assalariado, não abre mão da pompa dispendiosa. Ignorando os conselheiros, apenas para citar uma posição que mostra a continuidade dos destemperos, se recusou a abolir a colocação de uma foto sua em todas as repartições públicas nacionais. Resquícios ditatoriais, de culto à personalidade, que não faz o menor sentido. A troco de que, considerando que o homem afirma que não será candidato a reeleição, os brasileiros precisam amargar sua figura de mordomo imperial no cotidiano das repartições?
Alguns podem alegar a necessidade de liturgia do cargo. Bobagem. Firmou-se com dignidade irretocável o ex-presidente do Uruguai, indo trabalhar de fusquinha e sem a presença de batedores tocando trombetas, diferente desses ordinários nacionais com sua gala e seu fausto improdutivo. Repito. Questão de estilo.
O primeiro chefe de Estado que abandonar os palácios, estabelecer uma rotina espartana e mostrar que pode governar sem ares de rei e apenas com a majestade das ações, vai dar um exemplo que não terá volta. Mas, para isso, tem que existir uma alma com tutano moral para abandonar os vícios impregnados. Tirar proveito do povo é um vicio pior do que heroína.
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