Mundo Política

‘Eleição no Peru é termômetro para América Latina’

Em um cenário político que já promete instabilidade por não haver uma maioria clara no Congresso, um resultado apertado dos votos no Peru poderá tornar a situação do próximo presidente ainda mais complicada, disse o cientista político Paulo Ramirez, da ESPM, em entrevista ao Estadão.

No meio rural, sim. Mas dentro das cidades, a base mais volumosa de Keiko Fujimori, em Lima, nas regiões onde há um maior dinamismo econômico por conta do liberalismo, comércio, setor de serviço, nem tanto. Keiko, sendo filha de Fujimori, tinha muita rejeição. Aliás, o problema do Peru é o que o país não tem Senado, só o Congresso e o presidente. E o Congresso, historicamente, sempre foi muito heterogêneo. Desde o Fujimori, nunca conseguiu constituir uma maioria e oferecer governabilidade. Por isso, o país teve tantos presidentes depostos. Para constituir maioria, é necessário comprar votos. E aí nenhum presidente consegue manter a governabilidade.

Por que o desempenho dela foi surpreendente? 

A partir do segundo turno, Keiko ganhou mais notoriedade, ela que já havia disputado outras eleições, mas dessa vez ela conseguiu concentrar o apoio dos comerciantes, indústria, incluindo grupos ligados aos EUA, aos interesses comerciais. O cenário que ela promete é manter um dinamismo econômico e, ao mesmo tempo, diz que quer fazer uma espécie de democracia com ditadura. Ou seja, uma linha-dura do neoliberalismo. Mas a dificuldade é conseguir governabilidade e isso só poderia ser alcançado com maioria no Congresso e nenhum dos dois candidatos terá essa condição, com uma ampla margem.

Então já existe essa herança, independente do resultado? 

Sim, tanto é que os últimos quatro, cinco presidentes foram depostos. Todos eles por causa de corrupção. Sem maioria no Congresso a única maneira de conseguir governabilidade é pela corrupção. Keiko traz toda uma herança do Fujimori pai, porque ele, literalmente, cansado dessa dinâmica, 30 anos atrás, fechou o Congresso e começou a governar por decreto, de uma forma autoritária. Claro que ele também ganhou notoriedade por ter acabado com o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso, que fez vários atentados.

Quem é a base de Castillo? 

Pedro Castillo é apoiado por toda uma base rural que hoje é turística, como a região de Cuzco, onde fica Machu Picchu. Só que essa região, principalmente pequenos agricultores, sociedades indígenas, povos tradicionais, foram muito afetados pela crise porque seus recursos vinham do turismo e faziam a economia local girar. Com a pandemia, acabou esse setor literalmente. A pobreza aumentou no Peru, as pessoas estão na miséria, há desemprego generalizado. Para agravar o quadro, desde Fujimori, houve uma série de transformações trabalhistas, neoliberais, o pessoal ficou sem amparo, no meio da crise.

Essa foi uma eleição de polarizações? 

São dois discursos que estão frente a frente. De um lado, Castillo prometendo extinguir quase que por decreto a miséria e, por outro, Keiko prometendo manter os preceitos neoliberais, nem que seja usando a mão dura. Ela se autodenomina ‘dama de ferro do neoliberalismo’, dentro do Peru. Alcançamos esses dois extremos. Tem um candidato que é considerado no Peru de extrema esquerda e um candidato que não chega a ser extrema direita, mas é apoiada por grupos extremistas também incluindo neofascistas, estilo dos apoiadores mais radicais do Bolsonaro no Brasil. A eleição no Peru é um termômetro na América Latina.

E como essa apuração apertada por afetar esse cenário? 

O livro Como as Democracias Morrem, cujos autores começam seu estudo com a eleição de Donald Trump (presidente dos EUA), afirma que o primeiro passo para você desestabilizar uma democracia é não reconhecer o resultado das eleições, o que Trump fez. Isso sugere uma instabilidade democrática e quanto menor a vantagem de um candidato sobre o outro, maior a instabilidade. Talvez esse seja o caminho de Keiko, se perder, de não aceitar o resultado das eleições. Se aceitar, ótimo. Mas a exemplo do que aconteceu nos EUA, a gente não pode ter dúvidas de que isso poderá se repetir na América Latina, como já está acontecendo hoje quando Bolsonaro defende o voto impresso.

Qual o impacto da Lava Jato no Peru? 

Teve um impacto gigantesco porque a própria Keiko, o antigo partido dela, também esteve envolvida em casos de corrupção. Ela teve de pedir duplo perdão, tanto pelo pai, por ter roubado, como pelos últimos escândalos que ela mesmo se envolveu. Então esse perdão público acabou atraindo voto não de pessoas que são simpatizantes dela, mas que temem a esquerda do Peru. Por sua vez, os apoiadores de Castillo são pessoas que não suportam a família Fujimori. Não é bem a esquerda votando na esquerda, nem direita votando na direita. A eleição no Peru foi direcionada para uma questão de ‘quem eu suporto mais’.

Como a Keiko sobreviveu politicamente? 

São dois fatos, primeiro tanto Keiko como Castillo não chegaram a 35% dos votos no primeiro turno. O segundo motivo, com Fujimori, há 30 anos, houve uma expansão de uma classe média dentro das grandes cidades, sobretudo em Lima. Então são defensores assíduos do Fujimori, assim como vimos até recentemente malufistas no Brasil. É um populismo conservador, autoritário que, querendo ou não, permitiu um certo crescimento econômico no Peru. Qualquer um dos dois que vencer enfrentará instabilidade política, mas Keiko ainda assim teria um cenário mais favorável por prometer manter um status quo econômico.

Seria um pouco diferente com Castillo? 

Com Castillo, o cenário promete duas instabilidades, a primeira que já é a tradicional, que não vai conseguir ter maioria no Congresso. Mas ele também terá instabilidade econômica, porque a bandeira dele é fazer reforma agrária, rever contratos com multinacionais, rever status da propriedade, são questões que poderão levar a uma série de revoltas da direita peruana. Aí a gente entende o que o Lula está fazendo no Brasil. Para não ser taxado de extrema esquerda, ele começa a criar uma série de alianças com centrão, banqueiros, empresários, visita FHC, para não ter essa imagem.

Fonte Estadão

Sobre o Autor

Rosenwal Ferreira

Rosenwal Ferreira é jornalista, publicitário e terapeuta transpessoal. Multimídia talentoso, ele atua na TV Record realizando comentários no quadro 'Olho no Olho', no Balanço Geral. Mantém, há mais de 18 anos, o programa 'Opinião em Debate' que agora está na PUC TV. No meio impresso, é articulista no Diário da Manhã, e no Jornal OHoje.
Radialista de carteirinha, comanda o tradicional programa jornalístico 'Opinião em Debate', que já ocupou o horário nobre em diversas emissoras, e hoje, está na nacionalmente conhecida Rede Bandeirantes 820AM, de segunda a sexta-feira, das 07h30 às 08h30 da manhã. Logo após é membro da bancada mais ativista da felicidade, das 8h30 até às 10h da manhã, na Jovem Pan Goiânia 106,7FM.

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