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Baba que Sai Baba

Depois de uma bem sucedida peregrinação nos ares suaves que embalam as matas virgens, o Ganges e o sopro do Himalaia, eu e minha doce esposa Kétina decidimos trocar as batas multicoloridas pelo branco que domina os Ashrams do sul da Índia. Por indicação de amigos – os quais passei a questionar a sanidade mental –, fomos direto do abafado aeroporto de Tiruvananthapuram para a cidade de Puttaparthi, local do templo sagrado e das acomodações do líder Sai Baba. O gigantesco espaço é um misto de manicômio, centro de concentração e aeroporto em tempo de guerra. Pessoas vagam como zumbis em meio à poeira. Em todos os recantos permeia a paranóia de um atentado (com direito a revistas rigorosas, aparelhos de raio-x e perguntas ríspidas).

Quem possui estômago, ou deseja purgar os pecados em processo de autoflagelação, entra nesse calabouço dos mantras para esquecer que existe o lado de fora dos portões. É ali que se aglutina mixórdia mercantilista, sujeira, exploração e fanatismo. Sequer nas latrinas improvisadas é possível fugir da figura de Sai Baba. Sua foto está grudada em todos os táxis, apartamentos dos hotéis, canetas, mamadeiras dos nenês, espelhos, copos e até nos baldes que se coleta água imunda. Num misto de frustração e desespero, literalmente fugimos do local.

Por um erro de tradução, fizemos o mais bizarro de todos os percursos. Fomos de táxi para Kanchipuram, próximo a Chennai, imaginando que chegaríamos ao aconchego da Amma, que fica a mais de mil quilômetros de distância. Foi de uma excelência bíblica. As cidades que vimos parecem sair do umbral descrito pelos espíritas ou do inferno de Dante. Nas ruas fétidas e apinhadas de gente, impera o caos. Tudo é uma indescritível desordem. Ratazanas, baratas, imundice crônica, esgoto e mosquitos se acomodam ao lado de uma limpa Pizza Hut, plantada pelo capitalismo do Tio Sam como se fosse um oásis no epicentro do inferno.

Em meio a esse cenário de balburdia, inferneira de buzinas e visível tormento, recebemos uma edificante lição de humildade e fé indiana. Os rapazes que nos atenderam na escola da Amma, (que não tem nada a ver com o paradisíaco Ashrama que encontramos depois) quase à meia noite, se recusaram a aceitar gorjetas. Com suas roupas simples – trapos para os padrões ocidentais –, seus dentes estragados e a pele envelhecida precocemente pelo sofrimento cotidiano, eram voluntários a atender de graça turistas perdidos. Por míseros onze reais, fomos acalentados num quarto limpo com banho quente. Uma regalia que milhões de indianos morrem sem usufruir.

No dia seguinte, com uma experiência de moldar a alma, ouvimos em reflexivo silêncio as orações às seis horas da manhã. No aeroporto de Chennai, ainda em transe com a lição de sofrimento de um povo que preserva a esperança e enxerga a penúria como uma dádiva dos deuses, adquirimos passagens que nos levaram aos encantos de Amritapuri, local em que fomos embalados nos braços da Amma, que, avisada que éramos brasileiros, sussurrou melodicamente em nossos ouvidos: “Meu amiguinho, meu amiguinho…”

Ao contrário de Sai Baba, com seu mercantilismo explícito, o recanto de Amma é apaixonante. As acomodações simples, mas de pleno conforto, se erguem entre as ondas do mar e o rio adornado por uma floresta de coqueiros. A noite, os cânticos nos templos se misturam com trinados de pássaros exóticos e sons de elefantes que ecoam na planície. Tudo é amor e plenitude. Impera uma paz que conforta e qualifica os sentimentos. A própria Amma lidera as meditações ao entardecer, realizadas ao som das ondas do oceano, momento em que presenciei um dos mais belos pôr do sol de minha existência. Ato que se revela como um revigorante elixir. Definitivamente, tudo vale a pena e é uma lição neste exótico, excêntrico e fluídico país.


Rosenwal Ferreira é Jornalista e Publicitário

Sobre o Autor

Rosenwal Ferreira

Rosenwal Ferreira é jornalista, publicitário e terapeuta transpessoal. Multimídia talentoso, ele atua na TV Record realizando comentários no quadro 'Olho no Olho', no Balanço Geral. Mantém, há mais de 18 anos, o programa 'Opinião em Debate' que agora está na PUC TV. No meio impresso, é articulista no Diário da Manhã, e no Jornal OHoje.
Radialista de carteirinha, comanda o tradicional programa jornalístico 'Opinião em Debate', que já ocupou o horário nobre em diversas emissoras, e hoje, está na nacionalmente conhecida Rede Bandeirantes 820AM, de segunda a sexta-feira, das 07h30 às 08h30 da manhã. Logo após é membro da bancada mais ativista da felicidade, das 8h30 até às 10h da manhã, na Jovem Pan Goiânia 106,7FM.

1 Comentário

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  • Parabéns pelo excelente texto amigo Rosenwal. Me parece uma aventura lírica sua viagem ao continente asiático. Da forma em que descreve, percebo que mesmo nas profundezas do caos, ainda sim é possível encontrar lugares de paz, humildade e amor. Espero um dia poder compartilhar também desta experiência. Feliz Natal e um próspero ano novo!