Pesquisa encomendada pelo Instituto Patrícia Galvão mostra que, embora o aborto seja proibido no País, pelo menos 45% dos brasileiros acima de 16 anos conhecem alguma mulher que já tenha interrompido a gestação. O resultado é mais uma certeza, entre muitas, que o tema é tratado no Brasil com a hipócrita sabedoria de sempre. Na base do fingimento, e aproveitando que a boa índole cristã implica em repudiar a prática, estamos discutindo a PEC 181 que, se aprovada, pode levar à proibição de todas as formas de aborto no País.
Tanto os engenheiros da emenda, quanto os semideuses que podem ou não aprovar o monstrengo, sequer imaginam como deve ser o amargo pesadelo de um estupro com a vítima ficando grávida de seu algoz. Estou convicto, e para isso não urge pesquisa alguma, que até o mais afoito dos congressistas, daqueles capazes de surrar gente com a bíblia na mão, não se furtaria em procurar uma clínica para que a esposa ou filha, tendo sido violentada por um maníaco, pudesse se livrar de um feto que não deseja crescer no ventre.
Sou contra utilizar a interrupção de uma vida de forma leviana, no espirro das imprudências, como se fosse uma banalidade natural. Evidente que não é! Mas em se tratando de violência contra as mulheres, num Brasil que se atola em índices de criminalidade inimagináveis, é até insano que o Estado possa ditar como a vítima deve reagir.
Das duas uma, ou essa turma está jogando para a plateia, num arroubo de insensibilidade que choca, ou existem parlamentares que se lixam para a psique do segmento feminino. Ninguém preconiza o estilo liberou geral. Mas tratando-se de estupro? Parece até uma brincadeira macabra.
Nenhum representante do sexo masculino, a não ser os que porventura tenham sido sexualmente violentados, mantém legitimidade para impor um padrão de conduta a mulheres que sucumbiram a essa terrível desgraça. Exigir delas, a título de qualquer teoria, uma reação tendo como base no olhar dos espectadores é de uma maldade ímpar.
Que não me venham os teóricos de plantão invocar abnegação, dedicação, amor à vida, ou qualquer afetação de virtude, como pretexto para fixar a aceitação de um feto gerado por uma monstruosidade. É algo que só quem foi brutalizado pode decidir. No entanto, dos entrevistados da referida pesquisa, somente 26% dizem ser favoráveis que mulheres possam decidir sobre não levar adiante a gravidez. O absurdo chega a tamanha bizarrice que até parece assunto de macho para fêmea não dar palpites.
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